sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Como deter o crime.



“Você quer saber como deter o crime? Detenha a pregação e dê a cada criança bons pais que, por sua própria experiência de vida, possuam os valores que os pais desejam incutir na criança. Tornamo-nos, ao contrário, uma cultura de dá a muitas de nossas crianças pais desempregados, sem instrução, desesperados e viciados. Tornamo-nos uma sociedade repressiva, defensiva e odiosa que despreza os pobres, que venera o dinheiro como o seu maior valor moral e que oferece, quase sem exceção, a mais sangrenta das violências como forma de entretenimento.

Conforme provaram os sociólogos, as tribos com mais de aproximadamente duzentos membros não funcionam bem, e no ambiente natural, digamos nas florestas virgens, a tribo, depois de crescer até cerca de duzentos membros, se divide em duas. O fenômeno lembra algo como as abelhas em uma colméia. Quando há um número muito grande de abelhas na colméia, elas formam um exame em torno de uma nova rainha e se mudam para uma outra colméia. E qual a relação dessa colméia com os nossos filhos em casa?

A nossa sociedade de modo algum lembra a sociedade tribal, à qual, em termos genéticos, estamos adaptados quanto os cães do campo aos seus vilarejos e as formigas às suas casas. A sociedade tribal tinha como principal característica, comparada à sociedade moderna, o fato de ser concretamente viva. Os seus membros criavam uma estrutura coesa, viva, integrada. A conduta de cada membro afetava o próximo, e cada um era parte integrante e essencial da estrutura tribal.

Por outro lado, a identidade de cada membro como ser humano também estava relacionada à tribo. O pior castigo que uma tribo poderia impor a um membro desgarrado era o banimento. A tribo não possuía prisões, câmaras de gás, nem impunha a pena de morte; simplesmente bania o infrator, um castigo pior do que a morte, porque a identidade do indivíduo como pessoa estava inextricavelmente ligada à tribo. Esta dava proteção, conforto, respeito, atenção e segurança ao indivíduo e, por isso, o indivíduo também supria a tribo contribuindo de acordo com a sua capacidade. Na sociedade tribal o crime não era necessário.

Por outro lado, em nossa sociedade a tribo como lar não existe mais. A tribo como comunidades pequenas e coesas não existe mais. Grandes segmentos da nossa população foram injustamente impedidos de participar do sistema, e não cometeram nenhum crime contra este. Foram banidos por serem pobres, ou por não possuírem instrução, ou por terem nascido no lugar errado, ou por serem negros, morenos ou amarelos. Castigue uma criança inocente e você criará a neurose de onde emanam quase todos os crimes. Puna grandes segmentos da sociedade com o banimento e você criará a mesma neurose social.

A nossa sociedade destruiu a tribo viva e a substituiu pelo conglomerado leviatã, não de duzentos, mas de milhões de almas. Ela governa por burocracias impositivas, repressoras e impessoais. As burocracias não conhecem as pessoas, não sabem nada sobre elas. Não pensam, não sentem, não se importam, não amam, não conhecem a dor, nem sentem empatia. São tão desumanas e inanimadas quanto qualquer máquina de ferro. Mas ao contrário de uma máquina, não podem ser dirigidas. Raramente podem ser controladas e, lentas como geleiras, se deslocam por sua própria forçam destruindo tudo o que encontram pelo caminho e engolindo tanto a paisagem como as pessoas. Se quiséssemos inventar o máximo em matéria de maldade, sem dúvida, escolheríamos a burocracia. O demônio bíblico deve pelo menos conhecer o bem para que possa optar pelo mal, além de servir a uma boa e útil causa ao estabelecer a antítese em relação à qual o bem pode ser compreendido. Mas a burocracia transcende todo o mal, pois não é capaz de entender nem o bem, nem o mal, e tampouco – o que é o maior dos males – se preocupa com um ou com o outro, pois é incapaz de se preocupar.

Essa burocracia é a nova supertribo inanimada. E dela nasce o mal final, como chamaremos a alienação final e a negação de todos nós, os membros da tribo. Desse mal final provém a repressão de grandes segmentos de nosso povo que sentem o descaso da supertribo inanimada e interpretam esse descaso como ódio (embora a burocracia não ame nem odeie). Por causa desse mal final, pessoas de todos os segmentos da nossa sociedade são destituídas de seus lares tribais. Ficamos impotentes, à mercê dos decretos mecânicos da supertribo inanimada. Não podemos combater a oligarquia governamental e empresarial que nos explora por dinheiro, que suga os nossos recursos e a nossa criatividade, que destrói as nossas florestas, putrifica os nossos campos e evacua rejeitos tóxicos nos nossos rios em função de dinheiro inanimado. Ficamos impotentes para sermos ouvidos, pois os ouvidos inanimados da supertribo só ouvem o ruído do dinheiro. Vivemos no mito da liberdade, mas não estamos livres da violência que nos é imposta. Vivemos no mito do amor, mas não nos sentimos amados. Vivemos no mito da paz, mas à nossa volta a supertribo inanimada consome os nossos recursos para guerrear contra nossos irmãos e irmãs, tanto aqui quanto no exterior.

Na sociedade da supertribo inanimada, os sem-teto não são apenas os poucos que vagueiam pela ruas à noite com seus olhos inexpressivos e sua vestes esfarrapadas. Nós somos sem-teto. Não temos nenhuma tribo viva à qual nos associarmos. A TV evangélica explora os solitários e os desesperados garantido-lhes que somente se Lhe derem o seu dinheiro serão aceitos na Sua tribo, e lá serão amados. Somos explorados também por apresentadores de talk shows que permitem que uma minoria seja ouvida muito rapidamente, a fim de criar a ilusão de que estamos participando e somos importantes. Enquanto isso, o apresentador nos vende bagulhos e quinquilharias. Tentamos nos identificar com a tribo nos tornando fãs dos Giants, dos Jets e dos Red Socks, que acabam não sendo tribo nenhuma. Trata-se de empresas e, ao aderirmos aos nossos times, às nossas pseudotribos, novamente nos são vendidos mais bagulhos e quinquilharias.

E aqueles inocentes que mais são punidos principalmente com o banimento sempre são os mais fracos, os mais pobres, os mais necessitados. Seus filhos são as crianças depauperadas e esquecidas. Lemos que dezenove crianças moram em dois quartinhos sujos e comem em um prato de cachorro, e nos perguntamos por que são cometidos esses crimes, e a nossa argumentação, por sua vez, não é deter essa punição, não é cessar os nossos próprios crimes, mas construir mais e mais penitenciárias para abrigar crianças quando se tornarem adultas. Não é de surpreender que elas se rebelem não apenas contra o sistema, mas umas contra as outras, pois, afinal, uma sociedade insana reflete no inevitável espelho mágico a insanidade que impõe aos seus membros.”


Gerry Spence